Liberdade: de falar e de se ofender

Em meio à polêmica sobre discursos sexistas, machistas e racistas que foi vista esta semana (visto trote do Direito UFMG), resolvi pensar nesse contexto aplicado à publicidade. Vivemos em um estado que se diz apoiar a liberdade de expressão. Mas até onde chega a liberdade de cada um? Podemos falar tudo que queremos, o que vier à mente, mesmo que esse ato ofenda outros? Ou essa liberdade é de alguma forma cerceada??
Sim, a discussão é complexa e profunda, chega nos valores morais de cada um e da sociedade como um todo. Na publicidade, a organização não governamental responsável por essa e outras legislações é o Conar. É um conselho de autorregulamentação que é composto por profissionais da comunicação que buscam, por meio de discussões, regulamentar a própria profissão. O órgão surgiu na década de 80 com o objetivo de fazer valer o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, documento criado após a ameaça de uma lei governamental que seria praticamente censura. No fim dos anos 70, diante da possível lei, a categoria se organizou e conseguiu fazer o código ser aprovado, culminando na criação do Conar. Desde então o órgão possui um histórico de sucesso, regulamentando a publicidade baseado nos preceitos éticos:

- todo anúncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país, 
- deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social, evitando acentuar diferenciações sociais,
- deve ter presente a responsabilidade da cadeia de produção junto ao consumidor, 
- deve respeitar o princípio da leal concorrência e
- deve respeitar a atividade publicitária e não desmerecer a confiança do público nos serviços que a publicidade presta.

O Conar não exerce censura prévia. Na verdade, ele julga casos que violam o código, que tenham sido detectados ou denunciados e pode conseguir a suspensão ou a modificação de peças publicitárias. Vários são os motivos que levam um anúncio ao Conar, mas alguns deles são relacionados ao sexismo, racismo e machismo. Vejam alguns casos que já foram parar no órgão:

Vocês concordam com as resoluções do Conar??

 (Reprodução )
Março/2012
Decisão: alteração

Por maioria de votos, o Conselho de Ética do Conar deliberou por recomendar a alteração do anúncio em mídia impressa do Azeite Gallo, com o título "Nosso azeite é rico. O vidro escuro é o segurança". Os conselheiros seguiram o voto do relator, que julgou não haver no anúncio intenção racista, mas ponderou que ele permite tal interpretação e que a comunicação não deve dar margem a associações equivocadas, pela responsabilidade social que tem. Por isso, sugeriu uma alteração, de modo a dirimir a possibilidade de interpretações discriminatórias. A representação foi aberta por denúncia de consumidor de Campinas (SP).
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Julho/2012
Decisão: suspensão

Numerosos consumidores questionaram anúncio em internet de marca de lingerie que mostra foto de uma jovem negra trajando roupas íntimas e segurando um quepe militar com ar desafiador. Ao fundo, aparece um homem ressonando, com uniforme desabotoado que lembra a farda dos policiais cariocas, tudo ambientado no que sugere ser a laje de uma casa em uma favela carioca. O anúncio foi veiculado nos dias seguintes à operação de pacificação pela polícia da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Para os consumidores, a imagem sugere desrespeito ao trabalho da polícia e também à imagem feminina, além de expressar racismo e machismo. 
Em sua defesa, a Duloren discorda de tal interpretação, vendo na peça publicitária reconhecimento da posição de destaque que a mulher conquistou na sociedade.
Imagem da campanha da Duyloren, lançada em março (Foto: Divulgação)Em primeira instância, o Conselho de Ética votou por unanimidade pela sustação, atendendo sugestão do relator. "O anúncio em tela é apenas mais uma incursão midiática da Duloren, dessa vez sem o brilho polêmico de algumas de suas peças de outros tempos, que a fizeram merecer o título irrefutável de campeã absoluta da apelação publicitária no Brasil", escreveu ele em seu voto, sugerindo também a divulgação pública da posição do Conar, levando em conta a reincidência do comportamento do anunciante.
A Duloren recorreu da decisão, alegando que é inerente à publicidade atrair a atenção dos consumidores sem desrespeitá-los. É o que ela acredita ter conseguido com esse anúncio. Considera que a mensagem da peça deva ser entendida como: "Pode-se pacificar um morro, mas nem homem nem soldado nenhum é capaz de dominar uma mulher com lingerie Duloren".
Tais argumentos não convenceram a relatora do recurso. "Existem muitas formas criativas de anunciar lingerie sem ferir as normas da boa propaganda. O anúncio aqui discutido tentou inovar e foi infeliz, pois vulgariza a mulher e banaliza o programa de pacificação das favelas, desrespeitando todas as partes envolvidas", escreveu ela em seu voto, ratificando a recomendação de sustação, aprovada por unanimidade.
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Dezembro/2012
Decisão: arquivada

Campanha da Marisa veiculada em TV e internet, para divulgar a coleção de alto verão da marca, atraiu reclamações de quase uma centena de consumidoras. Elas indicam machismo, preconceito contra mulheres gordas e apologia da anorexia nas peças publicitárias.
Em sua defesa, a anunciante informa que o ponto de partida criativo da campanha é um cômico agradecimento aos alimentos que colaboraram para que a protagonista, por meio de uma dieta adequada e equilibrada, conquistasse um corpo saudável para desfrutar o verão.
"Já vi inúmeras reclamações sobre publicidade que estimularia a má alimentação, o excesso de doce, sódio e gordura. Mas reclamar sobre sua ausência de fato me surpreendeu", escreveu a relatora em seu voto. "Dizer que uma mulher não se sente mais feliz se estiver satisfeita com seu corpo, adquirido com uma boa alimentação também me parece estranho. A partir disso, entendo que a campanha é bem-humorada e reflete uma conduta positiva a um sacrifício pessoal em alimentar-se da forma mais adequada e saudável." Ela recomendou o arquivamento da representação, voto aceito por unanimidade.



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